Inserção laboral de pessoas com deficiência no setor privado

Inserção laboral de pessoas com deficiência no setor privado

Por decreto No. 73/019 do passado 6 de março, o Poder Executivo regulamentou a recente Lei 19.691, que regula a inserção laboral de pessoas com deficiência no setor privado. No presente abordaremos os aspectos mais relevantes da referida normativa.

Inserção laboral de pessoas com deficiência no setor privado

A que empresas abrange a normativa e em que medida estão obrigadas?

 

A citada normativa abrange as empresas que contam com 25 ou mais trabalhadores permanentes. A principal obrigação estabelecida é a de contratar pessoas com deficiência, devendo alcançar com cada contratação, um determinado percentual de trabalhadores em situação de deficiência em relação ao total de trabalhadores de sua folha de pagamento. Excluem-se para estes efeitos, as contratações temporárias, por temporada, a prazo, por obra, etc.

 

No que se refere aos percentuais dos quotas a respeitar, foram estabelecidos de forma gradual e em função da quantidade de empregados que as empresas possuem, prevendo-se um aumento a cada 12 meses nos primeiros anos de vigência da Lei.

 

Neste sentido, durante o primeiro ano da lei que já está em vigor, as empresas que contam com 500 trabalhadores ou mais, devem alcançar 3%. Por sua vez, aquelas empresas que possuem entre 150 e 500 trabalhadores devem respeitar 2%, enquanto os empregadores de 50 a 150 trabalhadores devem respeitar 1%.

 

Não estão obrigadas no primeiro ano de vigência da Lei, as empresas que possuem entre 25 e 50 trabalhadores, para as quais começa a reger a partir do segundo ano de vigência da mesma.

 

Após 18 de novembro do ano 2021, todas as empresas abrangidas deverão cumprir no mínimo com 4% de trabalhadores com deficiência em relação ao total de sua folha permanente.

 

 

O que devemos entender por “deficiência”?

 

Deve-se recorrer à definição legal da Lei 18.651, pois a Lei 19.961 em seu artigo 2 nos remete expressamente à mesma. Neste sentido, “Considera-se com deficiência toda pessoa que sofra ou apresente uma alteração funcional permanente ou prolongada, física (motora, sensorial, orgânica, visceral) ou mental (intelectual e/ou psíquica) que em relação à sua idade e meio social implique desvantagens consideráveis para sua integração familiar, social, educacional ou laboral”.

 

Corresponde assinalar também, que um requisito disposto expressamente no artigo 8 da Lei 19.961 é que a pessoa com deficiência a ser contratada para seu cumprimento deve estar inscrita no Registro Nacional de Pessoas com Deficiência que funciona na Comissão Nacional Honorária de Deficientes.


Difusão dos chamados, acessibilidade e emprego com apoio

A normativa exige uma “divulgação adequada” dos chamados que se realizam no âmbito da mesma, devendo informar no chamado que o mesmo compreende a pessoas com deficiência que possuam a capacidade e idoneidade suficiente para o cargo que se busca ocupar, assim como o número mínimo de postos que se prevê cobrir com o chamado.

 

Um problema prático que pode surgir é no caso de não se apresentarem candidatos, ou que estes não preencham as condições necessárias para o cargo, impedindo que a empresa possa cobrir o percentual correspondente. Se ocorrer o anterior, será fundamental poder comprovar ter cumprido com os requisitos legais na divulgação, a fim de poder provar perante o MTSS a situação e evitar a imposição de sanções em uma eventual inspeção.

 

Neste sentido, por enquanto o descumprimento da presente normativa está enquadrado no regime sancionatório geral. Isso decorre do artigo 3 da Lei 18.651 ao remeter ao Decreto 186/004 sobre as infrações trabalhistas cuja competência é da Inspeção Geral do Trabalho e Segurança Social (IGTSS). Além disso, do artigo 4 do Decreto No. 73/019 o qual dispõe que o recolhido pelas multas que forem aplicadas pela IGTSS será destinado a um fundo que solventará gastos da Comissão de Inclusão Laboral. Isso é, sem prejuízo de futuras e eventuais modificações legais ou regulamentares que estabeleçam sanções particulares ao descumprimento.

 

Por outro lado, em matéria de acessibilidade a empregadora deve garantir as condições necessárias para o posto de trabalho que será ocupado, para o qual deverão ser realizadas as adaptações pertinentes de forma que o trabalhador com deficiência possa desempenhar corretamente suas funções. Neste sentido, se no momento da incorporação a empresa ainda não pôde realizar as adaptações, contará para tais efeitos com um prazo de até 12 meses desde o início da relação laboral, devendo comunicar este fato à Inspeção Geral do Trabalho e da Segurança Social e apresentar um plano com as medidas que serão adotadas.

 

No que se refere ao emprego em si, prevê-se que as pessoas com deficiência contratadas possam receber apoio no cumprimento de suas tarefas, em matéria de adaptação, identificação de colegas, adequação ao posto de trabalho, etc.

 

Esse apoio será implementado através da figura dos “Operadores Laborais” (técnicos especializados) do Programa Nacional de Deficiência do Ministério de Desenvolvimento Social, que colaborarão até que o contratado possa trabalhar de forma independente. Foi também criada a Comissão Nacional de Inclusão Laboral para o acompanhamento e promoção de medidas que fomentem a aplicação da Lei.



Benefícios para as empresas

 

Com o objetivo de promover seu cumprimento, a normativa prevê uma série de benefícios e incentivos para as empresas que se registrem para tais efeitos.

 

Entre eles está a possibilidade de solicitar dados de possíveis candidatos ao Programa Nacional de Deficiência (PRONADIS), antes da contratação de pessoas com deficiência. Além disso, aquelas empresas que realizarem obras de acessibilidade ou adaptação, poderão ser incluídas nos benefícios da Lei de Investimentos e Promoção Industrial Nº 16.906, facilitando seu financiamento.

 

O acesso aos benefícios e incentivos requererá uma inscrição em um registro que estará a cargo da Direção Nacional de Emprego do Ministério de Trabalho e Segurança Social.



Particularidades em matéria de direitos e obrigações

 

Os trabalhadores empregados sob a Lei 19.691 estão sujeitos à normativa trabalhista geral, salvo aqueles casos em que por disposições particulares se preveem regimes especiais. Neste sentido, uma diferença estabelecida é em matéria de demissão.

 

A citada Lei os inclui dentro dos trabalhadores especialmente protegidos por nosso ordenamento jurídico, no entendimento de que se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade. Estabelece-se que a demissão de toda pessoa com deficiência “deve obedecer a uma causa razoável”. Isso implica que será necessário comprovar que a decisão de desvincular estava relacionada com a conduta do empregado, baseada em necessidades da empresa ou outra razão de entidade suficiente que justifique a decisão adotada de desvincular a mesma. O descumprimento do empregador ao anterior acarreta a obrigação de pagar uma indenização de seis mensalidades, adicional à demissão comum que corresponda.

 

Na mesma linha com o anterior, a demissão de um trabalhador com deficiência implica que a empregadora deve realizar uma nova contratação nos termos da mesma Lei, para a qual se concede um prazo de três meses desde a saída do trabalhador demitido. A empresa será exonerada do anterior quando a demissão tenha obedecido à supressão do posto de trabalho.

 

Por outro lado, no que se refere a licenças, a normativa dispõe a possibilidade de acessar a uma licença extraordinária sem vencimento de até três meses contínuos ou descontínuos por cada ano civil, por motivo da deficiência. A anterior é, sem prejuízo da licença anual regulamentar, e de eventuais certificações por doença. Para seu gozo, o trabalhador deverá comunicar ao empregador com 48 horas de antecedência e acompanhar certificado médico que justifique a solicitação da licença, expedido pelo escritório de Peritagem Médica do Setor de Avaliação de Incapacidade do Banco de Previsão Social.

 

Finalmente, prevê-se também uma diferença em matéria de contribuições à segurança social. As contribuições previdenciárias patronais ao Banco de Previsão Social correspondentes aos trabalhadores com deficiência, contarão com uma exoneração parcial no início e se normalizarão de forma gradual. Durante o primeiro ano da relação laboral a contribuição será de 25% do habitual; durante o segundo ano será de 50%, durante o terceiro ano 75%, e uma vez cumpridos os três anos de trabalho serão de 100%. Corresponde assinalar que, quando um trabalhador ingressar em virtude da demissão de outro trabalhador com deficiência, se aportará de acordo com o percentual que corresponda continuando com a escala referida em atenção à anterior relação laboral.



Considerações finais

 

Como mencionado, as normas citadas visam o objetivo da inserção no mercado de trabalho e a proteção do emprego de pessoas que se encontram em uma situação maior de vulnerabilidade. Será um desafio para as empresas a adaptação às novas disposições, razão pela qual é de extrema importância tomar conhecimento das diversas ferramentas que a normativa previu para os efeitos de promover e facilitar seu cumprimento.

 


Montevidéu, maio de 2019.

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la autora

ADVOGADA - SÓCIA

Dra. Mariana Casella

Doutora em Direito e Ciências Sociais, formada pela Universidade da República. Sua prática e formação profissional estão focadas no Direito do Trabalho, com pós-graduação em Direito do Trabalho (Universidade de Montevidéu). Desde que ingressou na firma em 2013 "Castellán Legal | Fiscal | Contable", lidera o Departamento Trabalhista, sendo sócia desde 2016.

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