Lei 18.930: O anonimato nas nominativas?

Lei 18.930: O anonimato nas nominativas?

Publica-se um artigo de interesse sobre a Lei 18.930 sobre a titularidade de ações ao portador. Esta norma entrou em vigor em 1 de agosto de 2012 e consideramos que tem um interesse prático particular, uma vez que obriga os titulares de ações ao portador a informar seus dados pessoais e o valor nominal de suas ações.

Lei 18.930: O anonimato nas nominativas?

Hoje (01.08.12) entra em vigor a Lei 18.930, que estabelece a obrigação das sociedades anônimas com capital representado em ações ao portador de fornecer informações sobre a identidade de seus titulares. Dado que a maioria das sociedades comerciais constituídas no país são sociedades anônimas e têm seu capital representado em ações ao portador, esta norma tem uma relevância significativa.

 

Um pouco de história e contexto

 

As ações ao portador são aquelas em que não é indicada a pessoa do titular no título acionário e são transferidas pela simples entrega. Por outro lado, as nominativas são aquelas que indicam o nome do titular no título acionário e em um livro de registro de títulos nominativos interno da sociedade e são transferidas por endosso e registro no livro mencionado. O ordenamento jurídico uruguaio é atualmente o único na América Latina que autoriza que o capital das sociedades anônimas possa ser representado tanto em ações ao portador quanto em nominativas. Esta possibilidade de emitir ações ao portador, somada à inexistência de um registro que identifique seus titulares, é parte da razão pela qual a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) colocou o Uruguai em sua “lista cinza”. Com o objetivo de sair dessa lista, o país deveria adotar medidas que aumentassem a possibilidade de cooperação e troca de informações tributárias entre os Estados. Nesse contexto, poderia ter eliminado diretamente o regime de ações ao portador, obrigando todas essas sociedades a transformar suas ações ao portador em nominativas. Finalmente, optou por manter o regime atual que autoriza representar o capital em ações ao portador, mas impondo a obrigação de informar ao Banco Central do Uruguai a identidade dos titulares destas.

 

Mudanças a partir da Lei 18.930

 

Em essência, a Lei que entra em vigor na data prevê a obrigação dos titulares das ações ao portador de fornecer ao conselho de administração ou administrador da sociedade anônima uma declaração juramentada contendo seus dados pessoais e o valor nominal de suas ações. A identificação abrange não apenas o proprietário, mas também o detentor, custodiante ou representante. Além disso, prevê a obrigação da sociedade, através de seu conselho de administração ou administrador, de apresentar ao Banco Central do Uruguai uma declaração juramentada com as informações recebidas de seus titulares, identificando o capital integralizado da sociedade e as porcentagens acionárias de cada titular.

 

Sanções em caso de descumprimento

 

As sanções previstas pela nova Lei no caso de descumprimento são significativas. Em relação aos titulares das ações, é estabelecida a impossibilidade de exercer os direitos de acionistas, estando, por exemplo, a sociedade impedida de pagar dividendos ou lucros. Além disso, são anunciadas multas. Em relação à sociedade, não apenas são estabelecidas multas, mas também esclarece que a falta de apresentação no prazo das declarações juramentadas fará presumir a falta de atividade da sociedade, sendo aplicável a suspensão do certificado único da Direção Geral de Impostos Internos (DGI).

 

Caráter reservado das informações fornecidas

 

A nova Lei estabelece expressamente que as informações fornecidas serão de caráter secreto, sendo seu acesso restrito à Unidade de Informação e Análise Financeira do Banco Central do Uruguai, à Secretaria Nacional Antilavagem de Ativos, à Junta de Transparência e Ética Pública, ou quando houver resolução fundamentada da Justiça Penal ou da Justiça de Família em caso de pensões alimentícias. Mas também poderá acessar essas informações a Direção Geral de Impostos Internos (DGI) em caso de solicitações estrangeiras no âmbito de acordos internacionais ratificados pelo país, e em caso de ações de inspeção relacionadas a sujeitos passivos determinados. Como vemos, a Lei claramente discrimina a favor da DGI e contra qualquer outro terceiro ou credor. Isso se torna especialmente relevante considerando a quantidade de pessoas físicas que estão penhoradas por esta Administração Tributária e que têm seus bens protegidos em uma sociedade anônima sob a aparente segurança que lhes dava possuir ações ao portador.

 

Transformação das ações em nominativas

 

A Lei não apenas exclui indiretamente a obrigação de informar os titulares de ações nominativas, mas também estabelece um regime especial que agiliza e facilita a eventual transformação das ações ao portador em nominativas, prevendo especialmente que, nesses casos, as sociedades poderão solicitar a exclusão do registro criado por esta Lei. Esse processo consiste basicamente na realização de uma assembleia de acionistas na qual seja adotada essa resolução, o registro da reforma no Registro de Comércio, a realização de publicações e a comunicação à Auditoria Interna da Nação.

 

O maior anonimato das nominativas

 

Não sendo aplicável esta Lei às sociedades com ações nominativas, nesse tipo de sociedades a identificação de seus titulares continuará emergindo exclusivamente dos próprios títulos acionários em posse dos acionistas e do mencionado Livro de Registro de Títulos Nominativos, que é um Livro interno mantido pela própria sociedade. Portanto, salvo o início de uma ação judicial para que a sociedade forneça essas informações, as mesmas não serão facilmente acessíveis a terceiros, nem a nenhuma das autoridades mencionadas: DGI, BCU, AIN, etc. Por outro lado, com as obrigações de informação previstas por esta Lei para os titulares de ações ao portador, haverá, como mencionado, agentes relevantes do mercado que poderão acessar facilmente essas informações. Portanto, como diz o título, e embora pareça um contrassenso, a realidade com esta nova Lei é que o “anonimato” estará mais presente quando o capital da sociedade estiver representado em ações nominativas.

 

A mudança para nominativas é conveniente?

 

Para a análise da conveniência ou não de uma reforma das ações ao portador para nominativas, é fundamental levar em consideração a diferença no tratamento tributário entre umas ações e outras, especialmente considerando uma hipótese de futura transferência dessas ações para terceiros. Nesse sentido, é importante destacar que no âmbito do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) não há diferença entre ações nominativas ou ao portador, pois em ambos os casos encontramos uma isenção específica. Também não há diferença no âmbito do patrimônio pessoal de cada uma das pessoas envolvidas em uma eventual operação de compra e venda. A tributação sobre o capital é basicamente representada em nosso país pelo Imposto sobre o Patrimônio (IP) que incide sobre a diferença entre os ativos e passivos, avaliados e admitidos fiscalmente, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas, localizados fisicamente em nosso território. Como este imposto incide sobre o patrimônio das sociedades “em nome próprio”, os acionistas que possuem em seu patrimônio pessoal ações de uma sociedade anônima não serão tributados por elas, sejam ao portador ou nominativas. No entanto, a distinção pode ser relevante no que diz respeito ao imposto de renda, quando o titular das mesmas é uma pessoa física. Nessa hipótese, se estamos diante de uma operação de compra e venda de ações ao portador, a renda gerada pela operação está expressamente isenta, tanto no Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) quanto no Imposto de Renda dos Não Residentes (IRNR). Por outro lado, se forem ações nominativas, a renda proveniente da alienação é um incremento patrimonial e está sujeita à alíquota de 12%.

 

Considerações Finais

 

Em nosso país, a imensa maioria das sociedades comerciais são anônimas e têm seu capital representado em ações ao portador. O fundamento dessa realidade na maioria dos casos encontra sua razão de ser no legítimo interesse de seus titulares em manter em reserva essas informações. E o respeito a esse interesse tem sido um suporte fundamental de nosso sistema econômico. A norma que entra em vigor hoje modifica substancialmente a determinação adotada, pois determina que as informações sobre a titularidade dos acionistas das sociedades anônimas sejam de mais fácil acesso no caso das sociedades que têm seu capital representado em ações ao portador do que naquelas que o têm em ações nominativas. Com base nisso, sempre que os titulares forem pessoas físicas e não estiverem pensando em uma futura venda, a transformação de ações ao portador em nominativas parece um bom conselho para todos os operadores de mercado que desejam legitimamente restringir o acesso às informações sobre as ações que lhes pertencem.

 

Montevidéu, setembro de 2013.

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ADVOGADO - SÓCIO DIRETOR

Dr. Santiago Castellán

Santiago é Sócio Diretor da Castellán Legal | Fiscal | Contábil. A posição de Santiago combina a gestão da firma de serviços, com a elaboração e execução de sua estratégia, e o acompanhamento e atendimento personalizado aos clientes e seus assuntos.

Com mais de 18 anos de experiência na firma, Santiago assessorou clientes de...

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