Novo Regime de Responsabilidade Penal do Empregador

Novo Regime de Responsabilidade Penal do Empregador

Artigo de interesse sobre a recente Lei nº 19.196 que prevê um novo regime de responsabilidade penal do empregador pelo não cumprimento das normas em matéria de Segurança do Trabalho

Novo Regime de Responsabilidade Penal do Empregador

Como é de conhecimento público, em 18 de março passado foi aprovada a tão polêmica Lei nº 19.196, que estabelece a responsabilidade penal do empregador pelo descumprimento das normas vigentes sobre segurança e saúde no trabalho. Textualmente, a norma estabelece: "O empregador, ou, conforme o caso, quem exerce efetivamente em seu nome o poder de direção na empresa, não adotar os meios de resguardo e segurança laboral previstos na lei e sua regulamentação, de forma a colocar em perigo grave e concreto, a vida, a saúde ou a integridade física do trabalhador, serão punidos com três a vinte e quatro meses de prisão". Além disso, estabelece-se que, doravante, sempre que o BSE em suas investigações determinar (administrativamente) que existe dolo ou culpa grave em um acidente de trabalho ou doença profissional, deverá dar conta à Inspeção Geral do Trabalho (MTSS) para que denuncie perante a justiça penal.

 

QUANDO SE CONFIGURA ESTE DELITO?

 

Nosso Código Penal já previa figuras para punir essas omissões em matéria de segurança (exemplo: lesões culposas e homicídio culposo). A principal novidade desta lei é a criação de um "crime de perigo". Entende-se por tais aqueles que tipificam condutas que não causam um dano efetivo, mas têm a "potencialidade de causá-lo". Em suma, nos casos em que for constatado o descumprimento das medidas de proteção previstas na normativa, de modo que coloque em "perigo grave e concreto" o bem jurídico tutelado (neste caso a vida, saúde e integridade física do trabalhador), estará configurado o crime previsto.

 

O QUE SE ENTENDE POR EMPREGADOR?

 

Num primeiro momento, pode-se interpretar o termo "empregador" como sinônimo de "empresário", mas também como representante da empresa, incluindo então, por exemplo, os sócios administradores de uma SRL, os diretores de uma sociedade anônima, etc. No entanto, o texto da norma é bastante amplo e ainda não há consenso quanto a se também se refere, por exemplo, aos empregadores do serviço doméstico, se se aplica ao Estado, se se aplica ou não o conceito de "empregador complexo" elaborado pela doutrina trabalhista, ou se inclui casos de terceirização, etc., ficando então este aspecto aberto por enquanto à interpretação da justiça penal.

 

O QUE SE ENTENDE NESTE CASO POR "PESSOAS QUE EXERCEM O PODER DE DIREÇÃO"?

 

O texto aprovado estabelece que podem responder penalmente, o empregador ou "em seu caso" (ou seja, em seu lugar), aqueles que exercendo efetivamente o poder de direção na empresa não adotarem os meios de segurança previstos pela norma. Isso também deixa bastante aberta a interpretação, sendo possível entender que qualquer funcionário da escala hierárquica de uma empresa (gerentes, chefe de manutenção, capataz geral, etc.) pode ser responsabilizado. No entanto, entendemos que a norma não se refere ao poder de direção em geral, mas sim às pessoas às quais foi delegado esse poder em matéria de segurança.

 

COMO É PUNIDO ESTE NOVO CRIME?

 

Quanto à pena do crime, a norma prevê um mínimo de 3 e um máximo de 24 meses de prisão, portanto, no caso de um empregador ser processado, não necessariamente será com privação de liberdade.

 

QUAIS SÃO AS NORMAS EM MATÉRIA DE PREVENÇÃO CUJO CUMPRIMENTO DEVE SER VIGIADO PARA NÃO INCORRER EM RESPONSABILIDADE?

 

As principais normas até agora derivavam da Lei nº 5.032 de 21 de julho de 1914 (norma "mãe"), que em seu artigo 1º estabelece a obrigação do empregador de tomar as medidas de resguardo e segurança para o pessoal, a fim de evitar os acidentes originados na utilização de máquinas, engrenagens, etc., bem como deficiências nas instalações em geral. Esta norma deu origem a diferentes Decretos regulamentares hoje vigentes sobre Segurança e Higiene do Trabalho. Eles são, entre outros:

 

- Decreto 406/88 (indústria, comércio e serviços)

- Decreto 89/95 (indústria da construção)

- Decreto 372/99 (atividade florestal)

- Decreto 306/05 (indústria química)

- Decreto 291/07 (indústria, comércio e serviços)

- Decreto 216/12 (trabalho rural)

 

DECRETO 406 DE 17 DE JULHO DE 1988

 

Na indústria, comércio e serviços, em matéria de prevenção de riscos laborais, aplica-se o Decreto 406/88 que abrange todo estabelecimento laboral, público ou privado, de natureza industrial, comercial ou de serviços, qualquer que seja sua atividade. Este decreto estabelece as condições gerais que os locais de trabalho devem ter, iluminação, ventilação, temperatura e umidade, limpeza, vestiários, banheiros, refeitórios, fornecimento de água, kit de primeiros socorros, instalação elétrica, manipulação de cargas, guindastes, caldeiras, medidas preventivas específicas contra riscos químicos, físicos, biológicos e ergonômicos e equipamentos de proteção (como: máscaras, luvas, óculos, lentes, etc.).

 

DECRETO 291 DE 13 DE AGOSTO DE 2007

 

Aplica-se a todas as atividades laborais públicas e privadas (com a única exceção das indústrias da construção e química, que têm normas próprias). Conforme esta norma, deve existir em cada empresa uma instância de cooperação entre empregadores e trabalhadores, cuja atividade estará orientada a contribuir com a gestão da prevenção de riscos. Nas empresas onde o número de trabalhadores permitir, deve funcionar uma "Comissão bipartida de Saúde e Segurança do Trabalho". Em vários grupos de atividade, este aspecto está especificamente regulado (nos Convênios Coletivos do Conselho de Salários). Os trabalhadores têm direito, conforme esta norma, a escolher um delegado operário de segurança e saúde do trabalho e também a solicitar a interrupção de uma tarefa quando houver razões fundamentadas para presumir que existe um risco grave para a vida do trabalhador. Além disso, espera-se que em breve o Poder Executivo emita um novo Decreto detalhando critérios em matéria de segurança.

 

POSSÍVEIS MEDIDAS A ADOTAR PARA MITIGAR OS EFEITOS DESTA NOVA NORMATIVA

 

Sempre. Mas agora mais do que antes:

 

* é fundamental controlar e exigir o estrito cumprimento das normas de saúde, higiene e segurança aplicáveis a cada setor de atividade.

* investir na capacitação do pessoal em matéria de segurança, e na dos supervisores e "chefias intermediárias" em relação ao exercício do poder disciplinar pelo descumprimento destas normas.

* documentar sob recibo a entrega de elementos de proteção pessoal (EPP), bem como as instâncias de capacitação ministrada ao pessoal, de modo a poder eventualmente comprovar as diferentes medidas adotadas.

* contar com a assessoria de Técnicos em Prevenção (diagnóstico, avaliação de riscos associados à atividade desenvolvida, planos de capacitação, protocolos de atuação).

* apoiar, formalizar e até documentar o trabalho das Comissões de Segurança, deixando sempre por escrito os temas tratados (inclusive as observações que a empresa fizer devido, por exemplo, à atitude irresponsável de algum operário).

* especificar com clareza nos Manuais ou Regulamentos Internos de Trabalho, as obrigações e proibições dos trabalhadores, que servirão como referência e marco da conduta que o pessoal deve adotar.

* nos casos em que corresponda, estabelecer especificamente a obrigatoriedade do uso de uniforme, dos EPP e todos aqueles aspectos relativos à segurança e higiene, como proibição de entrada e ingestão de álcool e outras substâncias, proibição do uso de celulares, aparelhos reprodutores de música, ingestão de alimentos e bebidas no horário de trabalho, possibilidade de realizar espirometrias, etc.

* em matéria sancionatória, sugere-se especialmente documentar, mantendo um registro organizado no prontuário de cada trabalhador, todo descumprimento relacionado com as medidas de segurança para poder contar com a prova que respalde tais condutas inadequadas, que podem inclusive configurar uma causa de Notória Má Conduta.

 

Considerações Finais

 

As regras do jogo mudam com significativo dinamismo. Já antes da sanção desta Lei, o descumprimento por parte do empregador da normativa em matéria de segurança acarretava importantes consequências. Por isso, nosso escritório trabalha desde sempre com seus clientes na aplicação das medidas anteriormente mencionadas. No entanto, considerando a nova norma, a adoção dessas precauções se torna ainda mais indispensável. Deverá ser levado em conta além disso, que sua não adoção poderia inclusive ser usada como outro elemento de coação no âmbito da negociação coletiva, desvirtuando completamente o quadro natural no qual o debate deve se desenvolver.

 

Montevidéu, 8 de abril de 2014.

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la autora

ADVOGADA - SÓCIA

Dra. Mariana Casella

Doutora em Direito e Ciências Sociais, formada pela Universidade da República. Sua prática e formação profissional estão focadas no Direito do Trabalho, com pós-graduação em Direito do Trabalho (Universidade de Montevidéu). Desde que ingressou na firma em 2013 "Castellán Legal | Fiscal | Contable", lidera o Departamento Trabalhista, sendo sócia desde 2016.

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