Pessoal Superior - Decreto 611/980 sobre a não limitação de sua jornada
Este aspecto da legislação é regulado pela Lei 15.996 e seu Decreto Regulamentar 550/989, que ao definir o conceito de horas extras refere-se àquelas que excedem o limite horário aplicável a cada trabalhador, desde que se trate de “atividades e categorias laborais cuja jornada diária está limitada, legal ou convencionalmente”.
Assim, a normativa claramente delimita o direito ao pagamento de horas extras aos trabalhadores que têm sua jornada limitada (seja legal ou convencionalmente), deixando de fora dessa regulamentação aqueles que não se encontram nessa condição.
Especificamente, Convenções Internacionais facultam a cada país a excepcionar do benefício da limitação horária os cargos de “direção e de confiança”. Da mesma forma, em nosso país, o Decreto 611/980 (cuja legalidade defendemos assim como a doutrina majoritária), estabelece expressamente que: “Não estão compreendidos na limitação de horários de trabalho”, entre outros, o pessoal superior dos estabelecimentos industriais, comerciais e de serviços (a norma também se refere aos profissionais universitários e idôneos de alta especialização, e outras hipóteses menos usuais às quais não faremos referência por exceder o alcance do presente).
Conforme essa normativa: “Considera-se pessoal superior os empregados que ocupam cargos superiores ao de chefe de seção”. A regra geral é que o pessoal com jornada limitada, que trabalhe horas que excedam seu limite, deve receber um pagamento especial por elas. Como exceção, estão excluídos do benefício do pagamento de “horas extras” os cargos superiores ao de Chefe de seção, que pela sua hierarquia e salário, segundo nossa Jurisprudência, devem contar com “certa flexibilidade” horária e uma remuneração adequada a essa possibilidade de exceder em algumas ocasiões a jornada de trabalho (caso típico do pessoal Gerencial).
Quais cargos são superiores aos de Chefe de Seção?
A norma é ambígua, pois não define nem conceitua o que deve entender-se por esses cargos. Por isso, cobra mais relevância o fato de conhecer os indícios ou critérios que nossos juízes levam em conta na hora de resolver se um trabalhador tem ou não essa característica.
Entre outros elementos, será levado em conta a remuneração recebida, as tarefas realizadas, se existem faculdades de impor e dar ordens a outros, responsabilidade de supervisionar o trabalho de outras pessoas, de representar a empresa, etc. Entende-se também que esses trabalhadores não estão sujeitos ao poder disciplinar e controle (por exemplo, não “marcam ponto”), a menos que exista algum motivo que justifique tal coisa (como razões de segurança e registro de entrada de pessoas na empresa). A título ilustrativo, tem-se tomado como um “indício” a favor da existência dessa “hierarquia” o fato de que não seja necessário obter autorização para se ausentar dentro do horário de trabalho ou sair mais cedo, ou a não imposição de sanções por chegar tarde (justamente pela indeterminação de seu horário).
Outros indícios a serem considerados são, por exemplo, a ausência de cargos superiores (que o trabalhador responda diretamente à direção da empresa), poder de decisão e comando, confiança, poder de concretizar negócios ou autorizar gastos, e o fato de ter certos benefícios que o distingam ou um tratamento especial. O princípio da primazia da realidade não se aplica apenas em favor da parte trabalhadora, mas rege para o esclarecimento da verdade em geral. Por isso, cada caso em particular será diferente.
Além disso, para facilitar a prova, em ambos os casos, esse regime deve ser pactuado no momento da contratação. Deve ser estipulada especialmente uma cláusula no contrato de trabalho, na qual se esclareça que não há limitação horária por aplicação do Decreto 611/980. Da mesma forma, sugere-se que tanto no contracheque, como na planilha de trabalho, seja registrado textualmente que ao trabalhador é aplicável o “regime do Decreto Nº 611/980”.
Então, o pessoal superior pode trabalhar em “tempo integral”?
Não. Em nossa legislação trabalhista, não existe a possibilidade de estabelecer um sistema de pagamento no qual, em troca de um determinado salário, se trabalhe com um horário indefinido. Também não pode ser pactuado um salário que inclua “horas extras”, como uma espécie de “fee” fixo. O trabalho extra-jornada deve ser liquidado de acordo com o estabelecido nas normas, ou seja, com um acréscimo de 100% em dias úteis e 150% em não úteis. O que existe é, como foi dito, certo pessoal que não tem sua jornada restrita, mas isso não significa que a quantidade de horas que podem ser trabalhadas seja ilimitada.
Voltando à Lei 15.996, esta estabelece um limite confirmado também pelo artigo 16 de seu Decreto Regulamentar: “…O máximo semanal de horas extras que um empregador pode dispor, com o consentimento prévio do trabalhador, é de oito”, e a norma do Decreto 611/980 estabelece por sua parte, em relação ao pessoal superior, que em nenhum caso esses trabalhadores poderão exceder o limite máximo que legitimamente possa ser cumprido em sua atividade.
Dessa forma, deduz-se que, embora não recebam horas suplementares, têm um "limite" em relação à quantidade de horas semanais que podem trabalhar, e cabe esclarecer também que a exclusão do pagamento das horas extras não se aplica aos descansos semanais desses trabalhadores (por não ser esse o alcance dessa norma).
Reflexão final
Em resumo, deve-se ter em mente que o caráter de pessoal superior e de direção ou confiança não é conferido apenas pela denominação do cargo que figura, mas devem ser considerados a natureza das funções na prática, suas tarefas reais, responsabilidades assumidas, bem como a localização do cargo dentro do organograma da empresa, a faculdade de participar de decisões, montante do salário, faculdade de supervisionar e sancionar outros trabalhadores, assumir obrigações em nome da empresa, etc.
É fundamental ter em mente tudo o que foi exposto na hora de pactuar uma contratação desse tipo, vigiando se serão ou não cumpridas as condições necessárias para sua implementação, a fim de minimizar o risco de um posterior reclamo de horas extras, pelo que se torna extremamente relevante contar com a devida assessoria prévia.
Montevidéu, 15 de dezembro de 2017.