Regulamento Interno de Trabalho: ferramenta para a prevenção de conflitos trabalhistas.
O Regulamento Interno tem precisamente o objetivo de estabelecer por escrito e antecipadamente essas diretrizes gerais para as relações entre a empresa e seu pessoal, sem prejuízo, é claro, do cumprimento das normas de origem legal, regulamentos, convenções coletivas e decretos vigentes em matéria trabalhista.
Através de um regulamento interno, as empresas emitem um “compilado de normas internas de funcionamento” com suas próprias diretrizes de administração, com aqueles elementos que às vezes não são regulados pela lei e/ou precisam de uma definição prática.
Em nosso país, não é obrigatório ter um Regulamento Interno, ao contrário do direito comparado. No entanto, a experiência mostra que cada vez mais se torna necessária a existência de um sistema formal e organizado de relações trabalhistas, tornando-se indispensável o uso do Regulamento Interno (incluindo nele todas as disposições que regerão de forma geral e obrigatória).
Neste sentido, é recomendável que as empresas que ainda não implementaram um Regulamento Interno, ou o têm e, no entanto, está desatualizado ou “não adequado” aos tempos atuais, solicitem a devida assessoria para implementá-lo e se beneficiar das vantagens que são analisadas neste artigo.
De fato, esta ferramenta é de grande utilidade para evitar e resolver conflitos. O regulamento pode contemplar aspectos que, por não estarem previstos em nossa legislação trabalhista, ficaram ao livre arbítrio das partes e precisam de uma definição prática. Por exemplo, aspectos relativos à administração do pessoal, normas de convivência e uso de bens da empresa. Além disso, serão especificadas de forma geral as obrigações e proibições dos trabalhadores, regime de sanções disciplinares, e um capítulo relativo às obrigações da empresa para com o pessoal em geral, sem prejuízo das pactuadas para com cada um dos trabalhadores em particular (política de adiantamentos - se houver).
Pode ser criado unilateralmente pela empresa, ou deve necessariamente ser acordado com os trabalhadores?
O Regulamento Interno pode ser fruto da negociação coletiva, adquirindo a mesma natureza jurídica de uma convenção coletiva bipartite; ou, pelo contrário, pode emanar unilateralmente da empresa. Isso é possível como manifestação do “poder de direção” e “poder disciplinar””.
De fato, sendo inegáveis as faculdades do empregador de dar as instruções que os trabalhadores devem seguir, ordenar a forma como a atividade é realizada, controlar a execução dessas diretrizes e estabelecer os termos em que se desenvolverá de forma geral o vínculo; assim como em virtude do poder de sancionar, a empresa pode por conta própria elaborar o Regulamento Interno e estabelecer aí suas políticas, valores da organização e diretrizes de conduta.
O Regulamento Interno deverá então ser redigido profissionalmente pelos assessores da empresa, e posteriormente posto em conhecimento dos trabalhadores.
O regulamento tem valor absoluto?
Seja como resultado da negociação ou seja unilateralmente criado pela empresa, o Regulamento interno não terá um valor absoluto e inquestionável. De fato, sempre que houver dúvidas sobre sua legalidade ou alguma de suas disposições contradizer a norma trabalhista, o mesmo poderá ser “revisado” judicialmente (mesmo nos casos em que conta com “a aprovação” da organização sindical).
No entanto, a prática demonstra que além disso, sua simples existência é fundamental para a prevenção de uma infinidade de problemas.
Qual deve ser seu conteúdo?
O Regulamento deve ser ordenado e compreender diferentes capítulos de modo a abranger todos os aspectos mencionados agrupando-os por temática.
Em primeiro lugar, é necessário determinar o âmbito de aplicação ou pessoal abrangido. Por exemplo, se compreende a toda pessoa que participe do funcionamento da empresa, em qualquer etapa do processo produtivo e/ou de serviços, mediante o desempenho de uma tarefa remunerada em dependência direta (empregados titulares e permanentes, suplentes, sazonais, em período de experiência, pessoal operacional e administrativo). Neste mesmo aspecto, também é conveniente estabelecer tudo o que diz respeito à administração dos recursos humanos da empresa: admissão, períodos de experiência, regime e local de prestação de tarefas (presencial, teletrabalho ou “híbrido”), documentação requerida (carteira de saúde, carteira de motorista, etc. de acordo com o setor em que a empresa atua), obrigação de constituir domicílio e mantê-lo atualizado, etc.
Em segundo lugar, devem ser especificadas com clareza as obrigações e proibições dos trabalhadores, que servirão de referência e quadro de conduta dos empregados. É claro que essas disposições devem ser redigidas “sob medida” de acordo com as necessidades de cada organização e levando em consideração o maior ou menor nível de flexibilidade que possa existir dependendo da atividade desenvolvida. Por exemplo, se é necessário estabelecer a obrigatoriedade do uso de uniformes, equipamentos de proteção individual (segurança), aspectos relativos ao horário, aos registros de ponto, tratamento de dados sensíveis e confidencialidade, regulamentação do teletrabalho, proibição do uso de celulares, aparelhos reprodutores de música, consumo de alimentos e bebidas durante o horário de trabalho, normas sobre o uso de veículos, ferramentas ou moradias da empresa, impossibilidade de realizar horas extras sem autorização prévia da empresa, obrigação de avisar sobre as faltas, apresentação de atestados médicos e tudo o que diz respeito às normas de higiene.
Outro “capítulo”, certamente o mais importante pelas dificuldades que isso apresenta na prática diária, é o que contém as sanções. Uma alternativa consiste em que o regime disciplinar seja determinado previamente no mesmo regulamento, especificando com exatidão a graduação das faltas, de modo que por exemplo “à primeira falta sem aviso nem justificação corresponde uma advertência por escrito, à segunda um dia de suspensão” e assim sucessivamente. Nestes casos, poderia adicionalmente estabelecer-se um período de consideração para essas condutas, por exemplo de um ano, após o qual os “antecedentes” são eliminados e se volta a contar do zero. Uma segunda opção, - a que aconselhamos -, consiste em determinar ou indicar o grau de gravidade das faltas, classificando-as em leves ou graves, e enumerar exemplos a título enunciativo, reservando-se o direito de tipificar outras não contempladas (deixando claro que a lista não é taxativa).
Achamos fundamental que a empresa não fique refém do texto, inclusive sendo por vezes obrigada a impor sanções mais duras do que as desejadas, em virtude da própria “rigidez”. Conveniente então estabelecer que a escala de sanções é em ordem progressiva, cumulativa e de acordo com a gravidade da falta concreta (desde observação verbal, advertência por escrito, suspensão, até a demissão por notória má conduta). Não é aconselhável prever que após determinado prazo o histórico seja “limpo” de sanções. Na prática, isso só incentiva maus hábitos e se torna injusto em relação aos trabalhadores bons cumpridores de suas obrigações, que após vários anos de trabalho nem sequer têm uma única sanção.
Finalmente, é necessário que o Regulamento contenha um capítulo relativo às obrigações da empresa para com o pessoal em geral e sem prejuízo das pactuadas para com cada um dos trabalhadores em seu contrato de trabalho. Para citar alguns exemplos, poderiam ser incluídos os dias e modalidades de pagamento de salários, obrigação de respeito e bom tratamento, de fornecer os elementos necessários para a atividade (ferramentas necessárias para o trabalho, equipamentos de proteção), entrega de uniformes, determinação dos espaços para o descanso, cumprimento do direito de “desconexão”, respeito aos direitos dos trabalhadores, gozo de licença regulamentar, e aspectos relativos ao compromisso da organização na prevenção de condutas de assédio, bem como qualquer outro comportamento ofensivo à dignidade e integridade no ambiente de trabalho, mecanismos de proteção e procedimentos internos para sua resolução, e na promoção da equidade de gênero e respeito aos princípios de não discriminação, etc.
Com relação a este último ponto, sendo um tema que ganha cada vez mais importância no Uruguai, é fundamental lembrar que sugerimos a adoção precoce de medidas preventivas, como a implementação de um Protocolo de Atuação que deixe claro que é proibido, repudiado e severamente punido qualquer manifestação de discriminação, violência, assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho, e que tais condutas estão sujeitas a sanções disciplinares (podendo até resultar na demissão por notória má conduta do responsável).
Considerações finais
Diante do exposto, destaca-se a importância do Regulamento Interno como uma ferramenta fundamental, para que o trabalhador conheça claramente as questões básicas que dizem respeito à ordem e disciplina exigidas na empresa, a fim de evitar possíveis mal-entendidos.
Para uma boa administração do Capital Humano em qualquer empresa, independentemente de seu tamanho e quantidade de pessoal, é fundamental que este conjunto de normas seja redigido profissionalmente e respeitando as disposições trabalhistas, de forma que constitua a política básica de funcionamento interno servindo de quadro para a resolução de uma ampla gama de situações que surgem.
Montevidéu, 2 de agosto de 2022