Roubo de talentos e uso de informações confidenciais: algumas reflexões sobre a concorrência desleal no Uruguai

Roubo de talentos e uso de informações confidenciais: algumas reflexões sobre a concorrência desleal no Uruguai

Recentemente, no Uruguai, foi divulgada na mídia uma sentença do Tribunal de Apelações Cíveis do 6º Turno que foi qualificada como 'inédita', condenando uma empresa e quatro indivíduos - ligados a ela - a pagar USD 300 mil dólares à reclamante, por terem praticado ações que violavam a 'competição leal' exigida no mundo dos negócios (incluindo o 'roubo de talentos' e o uso de informações comerciais confidenciais da reclamante).

Roubo de talentos e uso de informações confidenciais: algumas reflexões sobre a concorrência desleal no Uruguai

Indiscutivelmente, a liberdade de comércio não é uma 'questão de fato', mas um princípio fundamental de natureza constitucional previsto para a realização de qualquer atividade econômica. Esse princípio abrange o direito à livre concorrência no mercado: uma verdadeira luta entre empresas que operam simultaneamente no mercado, oferecendo produtos ou serviços iguais ou similares, com um objetivo em comum - adquirir ou atrair clientes para si. O objetivo não é outro senão permitir o progresso da economia.

Mas existem limites para a livre concorrência?


Sim. As limitações ou restrições à livre concorrência podem advir às vezes da lei (como no caso de alguns monopólios), ou às vezes do contrato (cláusulas de não concorrência), determinando que certas empresas devem se abster de competir nesse mercado em particular.


Mas também existe outro limite fundamental, relacionado especificamente com os meios empregados pelas empresas para atrair ou desviar a clientela de uma ou de outras empresas, pois 'tudo vale'. Esse é precisamente o âmbito da concorrência desleal, onde não há nenhuma lei ou contrato que obrigue a empresa a se abster de cometer um ato de concorrência, mas há um uso excessivo da liberdade de competir, pela utilização de meios criticáveis na busca de clientes.


Em última análise, o instituto da concorrência desleal se constitui como um sistema de proteção contra aqueles que, amparando-se na 'livre concorrência', empregam meios desleais para captar clientela.


O que é então a concorrência desleal?

 

Em um mercado em que são ofertados e adquiridos produtos e serviços, ocorre o 'jogo' entre a oferta e a demanda. A demanda prefere o produto e o serviço mais conveniente, enquanto a oferta apresenta o produto e o serviço mais desejado em termos de preço e qualidade. Mas acontece que essa tendência natural da demanda e da oferta pode ser perturbada por manobras desonestas dos concorrentes.


Se um concorrente modifica ou altera a direção da demanda por efeito dessas manobras, o comércio é gravemente prejudicado, porque, por um lado, o consumidor já não recebe o produto ou serviço que mais deseja, e o empresário já não tem ou mantém a clientela que merece. Isso provoca uma distorção no mercado, e é precisamente isso que o direito da concorrência desleal pretende impedir.


É claro que não se podem reprimir todas as condutas que tenham por objetivo alterar a tendência natural da oferta e da demanda. Em um regime de liberdade de comércio, os empresários buscam por todos os meios possíveis atrair para si a clientela, buscando formar, manter e aumentar a mesma de muitas formas: investindo em publicidade, instalando um bom local, utilizando tecnologia moderna. Todos esses meios podem influenciar a tendência da clientela e modificar sua inclinação, mas não são reprimíveis.


Só se pode falar de 'concorrência ou competição desleal' quando, para atrair ou desviar clientela, são empregados meios enganosos, desleais, incorretos ou abusivos. A ilicitude está presente apenas quando são empregados instrumentos ou modos comerciais que são inaceitáveis em função da ética do comércio, da lealdade comercial e da boa fé que deve reger nos negócios.


A 'concorrência desleal' se apresenta dessa forma como um fenômeno patológico da 'liberdade de comércio', como um ilícito que surge de uma atividade que é em si mesma lícita. E este é o conceito fundamental: não basta o desvio da clientela, um fim em si mesmo legítimo, para falar de 'concorrência desleal', é necessário o uso de meios incorretos para obter tal propósito.


A diferença entre a livre concorrência legítima e a concorrência desleal ilegítima não está nos fins perseguidos, mas sim nos meios empregados pelas empresas para alcançar esse fim.


Quais são então os elementos da concorrência desleal?


- um ato de concorrência: é necessário que as empresas realizem uma atividade que envolva clientela, e que a empresa prejudicada pelo ato tenha uma atividade igual ou similar, de modo que ambas as atividades estejam destinadas a satisfazer as necessidades de uma mesma classe de consumidores, existindo, consequentemente, a possibilidade de desvio de clientela. A empresa não precisa necessariamente ter uma clientela já formada, podendo ser uma empresa que se prepara para iniciar uma atividade empresarial e, para garantir o sucesso, comete uma série de atos contra outra que já realiza atividades afins.


Por outro lado, entende-se que não há concorrência desleal quando se trata de atividades totalmente diferentes e que lidam com clientelas diferentes. Isso também não significa que as atividades devam ser totalmente iguais, sendo suficiente que possa haver certa concorrência entre elas.

 

- o uso de um meio desleal: supõe a realização de um ato contrário aos usos honestos que regem as relações comerciais ou à correção profissional que deve imperar no exercício de uma atividade econômica. Estes, claro, constituem conceitos variáveis que correspondem à opinião da consciência pública sobre a forma como os empresários devem se comportar em suas relações, em um momento e lugar determinados. A conduta será qualificada, em cada caso, pela autoridade judicial correspondente.

- um ato suscetível de causar prejuízo ao concorrente: a noção de prejuízo referida à concorrência desleal é muito flexível, havendo posições que vão desde exigir um prejuízo efetivo, material ou moral, até aqueles para os quais basta que exista a mera possibilidade de causá-lo. Para estes últimos, o ato de concorrência é considerado independentemente de seu sucesso como tal, de seus efeitos, considerando-se apenas sua capacidade de produzir tais efeitos nocivos.


Tipos de atos desleais mais comuns


- atos com propósito de confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente: confusão sobre os nomes e denominações dos estabelecimentos e seus sinais distintivos, a semelhança no aspecto exterior dos estabelecimentos e a imitação da publicidade de um concorrente.


- atos com propósito de desorganizar internamente o concorrente: divulgação de segredos de fábrica, de comércio ou negócios (por exemplo, lista de nomes e endereços dos clientes). Outro exemplo é quando uma empresa utiliza os serviços de empregados dependentes de seus concorrentes, que continuam prestando seus serviços nessas empresas, e especialmente quando são incentivados a realizar atos que visam desorganizar a clientela do principal, permitindo sua absorção pelo concorrente. Na sentença recentemente publicada, um dos fatores-chave foi que a empresa demandada recém-constituída havia contratado em um curto período de tempo três dos principais funcionários da empresa concorrente, e utilizado informações comerciais confidenciais, com um aparente propósito de desestabilização e desintegração.


- atos com propósito de gerar uma desorganização geral do mercado: indicações ou alegações cujo uso seja suscetível de induzir o público a erro sobre a natureza, o modo de fabricação, as características, a aptidão no emprego ou a quantidade de mercadorias. Um exemplo claro é o uso por parte da empresa de 'publicidade falsa, enganosa ou mentirosa'. Os elogios - mesmo que exagerados - não constituem concorrência desleal, mas sim as afirmações de fatos falsos, pois estes podem provocar uma efetiva desviação de clientela com perturbação do livre jogo da concorrência.


- atos com propósito de denegrir: supõe alegações falsas que tendem a desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente.

 


Montevidéu, 6 de junho de 2022

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ADVOGADO - SÓCIO DIRETOR

Dr. Santiago Castellán

Santiago é Sócio Diretor da Castellán Legal | Fiscal | Contábil. A posição de Santiago combina a gestão da firma de serviços, com a elaboração e execução de sua estratégia, e o acompanhamento e atendimento personalizado aos clientes e seus assuntos.

Com mais de 18 anos de experiência na firma, Santiago assessorou clientes de...

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