Alternativa ao concurso de credores: o acordo privado de reorganização (APR)

Alternativa ao concurso de credores: o acordo privado de reorganização (APR)

A realidade econômica uruguaia nos últimos anos tem mostrado o declínio de várias empresas, que, devido às suas dificuldades financeiras, foram obrigadas a solicitar seu concurso de credores.

Alternativa ao concurso de credores: o acordo privado de reorganização (APR)

O concurso de credores é o principal e mais utilizado mecanismo de reorganização empresarial previsto na Lei Nº 18.387. Mas, como geralmente é solicitado tardiamente, infelizmente esse mecanismo na maioria dos casos não cumpriu o objetivo para o qual foi criado. No entanto, a Lei Nº 18.387 prevê outro mecanismo que representa para as empresas com dificuldades financeiras uma alternativa preventiva mais eficaz e com vantagens sobre o concurso de credores: o Acordo Privado de Reorganização (APR)

O que é um APR?

É um mecanismo de reorganização empresarial expressamente regulado nos artigos 214 e seguintes da Lei Nº 18.387, consistente em um acordo entre a empresa devedora que enfrenta dificuldades financeiras e uma maioria qualificada de credores, cujo objetivo é precisamente solucionar a situação de insolvência sem chegar ao concurso de credores. É o que anteriormente era conhecido como concordata privada, com alguns elementos da concordata preventiva, do antigo regime concursal.

Por sua natureza preventiva, o APR só pode ser celebrado antes da declaração judicial do concurso de credores. Portanto, ao detectar os primeiros sintomas de insolvência e sem chegar ao extremo da impossibilidade de pagamento, pode-se recorrer a essa ferramenta jurídica.

Quem participa do APR?

A empresa que enfrenta dificuldades financeiras e uma maioria especial de credores representativa de 75% do passivo quirografário (ou comum) com direito a voto. Portanto, para poder identificar a viabilidade de alcançar as maiorias necessárias, será necessário excluir previamente, para efeitos de cálculo, aqueles créditos não quirografários, como, entre outros: os créditos garantidos com hipoteca ou penhor; os créditos trabalhistas e contribuições pessoais do BPS vencidos nos últimos 2 anos; os créditos tributários (DGI, BPS) exigíveis nos últimos 4 anos; os créditos subordinados por multas e sanções e de pessoas vinculadas especialmente à empresa devedora; e os créditos quirografários ou comuns cujos créditos estejam devidamente garantidos (por exemplo, por meio de fianças).

No entanto, também é conveniente obter a aceitação dos credores subordinados para evitar uma oposição posterior ao APR. Além disso, é fundamental o acordo paralelo com os credores que têm seus créditos garantidos com penhor e hipotecas, a fim de viabilizar o cumprimento do acordo a ser firmado.

Qual é o possível conteúdo de um APR?

Com algumas ressalvas expressamente reguladas pela Lei, o conteúdo de um APR pode consistir em descontos e/ou prazos, cessão de bens aos credores, constituição de uma sociedade com os credores quirografários, capitalização de passivos, criação de um fideicomisso, reorganização da sociedade, administração de todos ou parte dos bens em interesse dos credores, ou qualquer outro conteúdo lícito, ou mesmo qualquer combinação dos anteriores.
Não importa o conteúdo do APR, sempre será necessária a mesma maioria qualificada anteriormente mencionada.

Que documentação deve acompanhar o APR?

O acordo assinado entre a empresa devedora e a maioria qualificada de credores deve ser acompanhado dos mesmos documentos necessários para o pedido judicial de concurso de credores, detalhados no artigo 7 da Lei Nº 18.387. Entre eles destacam-se: uma memória explicativa da empresa; um inventário de bens e direitos; a relação dos credores indicando nome ou razão social, C.I. ou R.U.T., domicílio, valor e garantias; e os balanços dos últimos 3 exercícios, acompanhados de relatórios de auditoria, se houver.
Além disso, o APR deve ser acompanhado de um plano de continuação com quadro de financiamento.

Existe mais de uma modalidade de APR?

Sim. Uma vez obtidas as maiorias necessárias mencionadas, a Lei Nº 18.387 prevê duas formas de tramitar um APR: uma puramente privada e outra judicial.

Se optar pelo procedimento puramente privado, uma vez obtidas as maiorias mencionadas, o APR será obrigatório para todos os credores quirografários (ou comuns) e subordinados, desde que os credores não signatários sejam notificados da adesão ao acordo das maiorias necessárias por meio de um tabelião público, e que estes, no prazo de 20 dias, não se oponham. Se vencido esse prazo os credores não signatários não se opuserem, o APR será considerado aprovado e o tabelião público deverá protocolá-lo, procedendo à publicação de um extrato do APR no Diário Oficial, para dar conhecimento do mesmo.

Como se percebe, enquanto não houver oposição, este procedimento tem como grande vantagem que à empresa em nenhum momento será designado um síndico ou interventor, nem significará suspensão ou limitação alguma nas funções do Conselho de Administração.

Além disso, os credores notificados só poderão se opor com base em causas que estão taxativamente estabelecidas na Lei Nº 18.387, como: a ilegalidade do acordo, uma possível contestação das maiorias alcançadas, a possível inviabilidade do acordo proposto e a existência de ocultação ou exageração do ativo ou passivo. Em tais casos de oposição, a empresa terá um prazo de 10 dias para comparecer ao Juízo competente, a fim de que este processe e resolva a oposição apresentada, homologando (ou não) o APR. Se a empresa não fizer tal apresentação, qualquer credor poderá pedir seu concurso, e o Juiz o decretará sem mais trâmites.

A outra alternativa que a Lei Nº 18.387 autoriza é solicitar a homologação judicial do APR. Tanto nestes casos, como no do APR puramente privado com oposições, o Juízo proferirá uma resolução de admissão que, uma vez inscrita e publicada, produzirá principalmente os seguintes efeitos: impedirá a declaração de concurso da empresa devedora (salvo se ela mesma o solicitar); limitará a capacidade de agir do Conselho de Administração da empresa, exigindo autorização do Juiz para determinados atos e contratos (não para as operações ordinárias); proibirá o início de novas execuções, ou a continuação das que estão em andamento; e suspenderá os arrestos efetuados sobre bens pelo prazo de um ano. Além disso, não poderão ser iniciadas execuções prendárias e hipotecárias pelo prazo de 120 dias, período durante o qual também são suspensas as que estão em andamento.

Por sua vez, em caso de oposição ou ratificação da oposição pelos credores, conforme se trate de um APR judicial ou puramente privado, o Juiz designará um interventor durante o trâmite das oposições, o qual terá as mesmas faculdades de controle sobre a atividade do devedor que tinha o Juiz a partir da resolução de admissão.

Em qualquer um dos processos, apresentada uma oposição, os resultados possíveis serão dois: ou se rejeita a oposição e se declara a homologação do APR, ou se rejeita o APR e se declara o concurso de credores do devedor como se ele mesmo o tivesse solicitado. Todos esses aspectos devem ser levados em consideração pelo devedor, contando com a devida assessoria, na hora de decidir por qual dos dois trâmites optará.

Quais efeitos produz a aprovação ou homologação de um APR?

Uma vez homologado o APR, torna-se obrigatório para todos os credores quirografários e subordinados, mesmo para aqueles que não o assinaram. Se o devedor cumprir totalmente com as obrigações decorrentes do APR, poderá solicitar oportunamente ao Juiz que assim o declare. Mas se descumprir, qualquer credor poderá requerer ao Juiz a declaração de descumprimento do APR (única forma de deixá-lo sem efeito), e consequentemente, a declaração do concurso do devedor.

Nesta última hipótese, ao contrário do trâmite “comum” de um concurso de credores, o devedor será impedido de fazer novas propostas de acordo concursais como sanção ao seu descumprimento, sendo imperativa sua liquidação, seja em bloco ou em partes.

Comentário final.

O APR é um mecanismo previsto na Lei Nº 18.387 para amenizar e resolver a tempo as dificuldades econômicas que uma empresa enfrenta, possibilitando sua recuperação. Ao mesmo tempo, contempla o interesse dos diversos credores comerciais, civis e financeiros em receber seus créditos. Portanto, o APR pressupõe um pacto “amigável” e preventivo entre devedor e credores, cujo objetivo primordial é que o devedor cumpra suas obrigações para manter viva a unidade empresarial e evitar assim sua liquidação, antes de qualquer declaração judicial de concurso de credores. Para isso, o segredo está em detectar a tempo os primeiros sintomas de insolvência e contar com a devida assessoria em sua implementação.

Dra. Valeria Motta

 

Montevidéu, 29 de agosto de 2018.

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